quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Família do Chão de Fábrica




Sivaldo da Silva Pereira, o Espirro, Secretário Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá

Ao longo dos anos nós trazemos, aos poucos, os filhos de nossos amigos, nossos parentes mais próximos e até mesmo os cunhados para a convivência no Chão de Fábrica.
Nós carregamos a fábrica, suas histórias e nossas aventuras para casa. Junto com o suado pão nosso de cada dia sempre temos histórias de superação para relatar, desafios que as chefias nos propõem, novas tecnologias que chegam e máquinas que se tornam verdadeiros quebra cabeças a serem resolvidos sem interromper a produção.
Essas aventuras operárias são relatadas nos campos de futebol, nas festas de aniversário, nas rodas de cerveja e até mesmo nas igrejas que frequentamos. É natural, portanto, que nossos jovens, filhos e afilhados, cresçam sob a influência do Chão de Fábrica e ansiosos em se juntarem à nossa batalha diária pela sobrevivência.
É um hábito que faz parte da história operária, desde quando as fábricas começaram a existir na Inglaterra. As famílias operárias são as principais fornecedoras de mão de obra e conseguimos, com isso, manter a harmonia e a cooperação dentro e fora das fábricas.
Do ponto de vista cultural é excelente termos lideranças do Chão de Fábrica que também são respeitados nas suas vilas. Quando acontece um casamento ou um nascimento, todos nós somos mobilizados. Para os casamentos surgem os padrinhos e as listas de presentes. Quando nasce uma criança a disputa é grande para ver quem será o padrinho ou madrinha.
A realidade do Chão de Fábrica é dura, o ganho é pouco, mas o espírito de camaradagem é imenso. Construímos e solidificamos nossa solidariedade todos os dias. E se somos uma família ampliada é porque o próprio sistema produtivo em que vivemos nos junta nos mesmos bairros, nas mesmas fábricas, nas mesmas conduções.
Do limão do ajuntamento fazemos, então, a limonada da família ampliada do Chão de Fábrica. Com muita troca de ideias, apoio mútuo e disposição para ajudar sempre uns aos outros. Ajuda que se materializa, por exemplo, quando nos juntamos para encher uma laje. Mais de 40 companheiros aparecem e em três ou quatro horas a laje está pronta. Só com a energia da amizade temperada no Chão de Fábrica. É assim que consertamos os carros uns dos outros. Ou fazemos o acabamento de nossas residências.
Uma história famosa é o fato de João Avamileno, nosso ex-prefeito, ter sido o eletricista que fez a fiação da casa do nosso companheiro José Cicote. O Chão de Fábrica consolida para toda uma vida nossas alianças.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

As emoções do Chão de Fábrica


Por Aldo Meira Santos, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá

Quando a gente vê imagens de operários no Chão de Fábrica usando protetores de ouvido é porque realmente eles precisam destes equipamentos. Raras fábricas são silenciosas. As máquinas, a energia ambiente, o corre-corre tudo contribui para um ruído muitas vezes assustador. E a proteção dos ouvidos é essencial para a se manter a boa saúde.
Mas mesmo com a barulheira geral, muitos estão ali com os ouvidos sensíveis às músicas que ouviram na noite anterior, no ipod ou no radinho de pilha,  ou hoje mesmo no caminho entre suas casas e o trabalho.
Outros se inspiram para os compromissos que terão como pagodeiros, como músicos e cantores de suas igrejas, e todos, artistas ou não, são as plateias fiéis e atentas ao que rola pelo universo da músicas popular ou religiosa.
Porque no Chão de Fábrica somos muito mais do que operários que apertam botões. Somos cada vez mais homens e mulheres completos, atentos à poesia de uma canção e preparados, muitas vezes por conta própria, para criarmos nós mesmos nossas próprias músicas e ritmos.
E quando terminamos nossos expedientes arrumamos energia para nos reunir com amigos e vizinhos, para curtir juntos em casa ou na igreja, nossa arte de cada dia.
E não pensem que vivemos só de músicas. Tem companheiros e companheiras que participam de teatros e de corais. Que se envolvem com ONGs para estimular o aprendizado musical em suas comunidades. E que arriscam alguns versos, dos bons, para as plateias sempre atentas nos ônibus que nos conduzem ao trampo.
Essa dinâmica cultural no Chão de Fábrica nos humaniza. E se as adotamos com as próprias energias (apesar da falta de tempo) é porque não temos acesso a ambientes culturais nos nossos bairros.
Faltam teatros, cinemas, clubes dedicados às artes e, principalmente, que gerem espaços para nossos artistas operários. Somos obrigados a engolir o que a TV tenta nos impor, geralmente de qualidade duvidosa.
Por isso, sempre estamos atentos aos nossos artistas do Chão de Fábrica. Porque eles (e elas) refletem nossas angústias e esperanças, nos emocionam com tiradas ora alegres ora tristes, e falam diretamente às nossas almas. Ali, bem pertinho, ao vivo, amenizando nossa vida dura com poesia, canções e músicas emocionantes.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O jogo salarial no Chão de Fábrica

Por Sivaldo da Silva Pereira, o Espirro, secretário geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá

Nas campanhas salariais o humor, o cheiro, as piadas, o comportamento na hora do almoço ou da janta, tudo muda e ganha uma tensão típica de trabalhadores ansiosos com os desdobramentos dos acordos que sabem que estão sendo continuamente amadurecidos em alguma sala bem iluminada, com cadeiras confortáveis, nas quais se sentam os representantes do Sindicato e do setor patronal.
Com a mesma eficiência da Rádio Peão que retransmite as etapas das negociações que o Sindicato encaminha, a Rádio Chefia também tem experiência em espalhar seus rumores.
A gente sabe que a notícia vem da Rádio Chefia porque as informações são sempre negativas e com ameaças embutidas. “Dependendo do aumento negociado vai ter cortes” é uma das ameaças mais comuns. Resultado: a tensão salarial só aumenta. Mas o jogo de informação e contra-informação se mantém.
Independente do chororô dos chefes e gerentes, a peãozada se mantém atenta aos indicadores que nos mostram que a economia vai bem. Um deles é o nervosismo produtivo da chefia. Numa economia aquecida os chefes estão sempre agitados, ansiosos por cumprir metas, preocupados com a qualidade final e com os prazos para fechamento do lote de pedido.
É aí que a peãozada percebe que por mais que se esforce a Rádio Chefia na divulgação de boatos negativos que o que vale mesmo é o que nos chega da Rádio Peão. Pois, através dos diretores do Sindicato, do que lemos nos jornais ou na internet, e combinado com o nervosismo da chefia, a gente vê que a fábrica e o setor econômico que ela está inserida vai muito bem obrigado.
Percebemos, também, que há clima para apoiar as decisões do Sindicato no caso de uma proposta de greve. A gente sente na chefia o medo de um atraso, de uma paralisação de uma hora sequer. Imagina uma greve de um ou dois dias, de duas ou três semanas?
E o jogo salarial continua. Apesar de tensos, mantemos as indiretas e nossa disposição de defender a parte que nos cabe nestes imensos lotes de peças produzidas. E, sempre que podemos, deixamos claro para as chefias que também vão se beneficiar com os aumentos que nós, a peãozada, vamos conquistar através das negociações sindicais.
E neste baile salarial com piadas e indiretas, com ameaças de demissões das chefias e alertas de greve dos trabalhadores, criamos o caldo que será a referência dos representantes do Sindicato e dos Patrões. Até que se concluam as negociações, os acordos sejam assinados e surja uma nova Convenção Coletiva.
Que os trabalhadores querem sempre com o repasse da inflação mais aumento real e os patrões vão tentar sempre puxar a sardinha do lucro apenas para os seus bolsos.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Fabricar lazer no Chão de Fábrica


Fabricar lazer no Chão de Fábrica
por José Roberto Vicaria, o Jacaré


Aqui no Chão de Fábrica estamos todos juntados. Juntados pelos patrões e vigiados pelas chefias. Com metas, horários, disciplina. E claro, não sobra espaço para a alegria. Pois, por mais que queiramos, o ambiente fabril elimina a descontração porque não nos permite, infelizmente, sermos nós mesmos, com nossa participação em projetos de nosso interesse e dos nossos amigos e familiares.

Mas...
Mas tem sempre uma sexta-feira e no outro dia teremos sempre um sábado, um domingo ou um feriado. E cada vez mais é necessário que a gente inclua o lazer na nossa convivência do Chão de Fábrica.
Como?
Muito simples. Vamos aproveitar o contato na fábrica e planejar nossos eventos esportivos, nossa pescaria e nosso churrasco. Temos espaços de sobra na nossa Colônia de Férias e nas sedes de nosso Sindicato, seja em Mauá ou Santo André.
Basta um pouco de organização de nossa agenda e a decisão de não nos submeter mais aos programas de televisão que são feitos sob medida para nos anestesiar e nos fazer voltar sem nenhuma visão crítica para o trabalho, logo depois das folgas.
Porque o lazer junto com a companheirada é também o momento de a gente ser nós mesmos. Nestes momentos que podemos em vez de ser juntados, estarmos verdadeiramente unidos. Prontos para dialogar com nossos camaradas. Ouvir seus projetos. E apresentar nossas ideias.
É essa união que amedronta os patrões e os governos. Por isso, não existem investimentos governamentais para se investir no lazer. E só nos resta acompanhar o futebol pela televisão ou sermos obrigados a gastar uma grana alta para nos deslocarmos até os campos de futebol.
Mas nós mesmos, a partir do nosso ajuntamento na fábrica, podemos criar condições para nos unir em torno dos eventos de lazer, de reflexão e de convivência nos nossos bairros e vilas.
Unidos, claro, seremos cada vez mais fortes. E traremos essa força que acumularemos ao nos encontrar permanentemente uns com os outros do lado de fora da fábrica para dentro. E melhoraremos nossa atuação ao reforçar as iniciativas do Sindicato a favor de ambientes fabris com mais respeito às nossas vontades.
Senão corremos o risco de nos transformarmos em robôs. E é isso o que os patrões querem. Ou seja, trabalhadores disciplinados, que trabalhem à exaustão, sem alegria, sem vida.
Vamos, portanto, fabricar lazer no Chão de Fábrica. Se movimente, crie sua agenda junto com seus companheiros e companheiras, e se liberte da escravidão dos programas de televisão. Arraste sua família, sua mulher, seus filhos e vizinhos para nossos eventos.